Em suma, acerta-se bem mais que se erra. E mesmo com algum marasmo em seus 132 minutos (desconsiderando os créditos finais) é uma obra que cumpre o seu papel de divertir.O resultado final é muito bom, e de fato conseguiram dar uma nova energia à mitologia do Super-Homem.
Com o sucesso crítico e comercial da franquia conhecida como
O Cavaleiro das Trevas, a Warner Bros, empresa que detém os direitos dos
principais personagens da DC Comics, soube que tinha em suas mãos a chance de
criar um universo coeso e interligado, tão como fez a concorrente Marvel com o
projeto que culminou no fenômeno “Os Vingadores”. Todavia, existiam alguns
empecilhos: o fracasso do longa “Lanterna Verde” (2011), a gama de personagens não
tão prestigiados da editora e o seu maior ícone, para completar, teve a sua imagem
associada quase que eternamente a Christopher Reeve. Toda a equipe, então,
adquiria um desafio enorme em suas mãos: como [re]contar a história de Superman
e dar a sensação de que tudo se parte do zero?
Em uma de suas entrevistas, Christopher Nolan – diretor da
última trilogia do Batman e produtor executivo de “O Homem de Aço” – expressou
o quanto estava sendo difícil essa tarefa, até pelo fato de encontrar um
inimigo também imbatível e que pudesse duelar mano a mano com o herói,
impossível de ser abatido por ter poderes ilimitados. Encontrar o ator e o
diretor ideais se tornou igualmente uma árdua empreitada. Entretanto, ao
assistir à película, tem-se a impressão de que boa parte dos anseios de Nolan foi
almejada.
A história já é mais que batida e se diferencia em
determinadas partes da narrada em “Super-Homem – O Filme” de 1978, só que agora
a despretensiosa aventura cede lugar a um ensaio futurístico de ficção
científica. Graças ao desequilíbrio ambiental promovido pelos nativos, o
planeta Krypton está preste a ser extinto e um de seus líderes, Jor-El (Russel
Crowe), alerta o Conselho sobre o problema, mas não é ouvido. Numa tentativa de
salvar o seu habitat, um dos guerreiros mais valentes, o general Zod (Michael
Shannon), se rebela contra o sistema, é acusado de traição e recebe a sentença
de passar 300 anos na Zona Fantasma. Antes disso, porém, Zod mata Jor-El, que há
minutos enviara em uma nave seu filho Kal-El (Henry Cavill) em direção à Terra.
Ao chegar aqui, o bebê é encontrado pelo casal Jonathan e Martha Kent (Kevin
Costner e Diane Lane), que cria o menino, percebe seus dons e lhe nomeia Clark
Kent. Quando Zod e seus asseclas, entretanto, fogem e vêm à Terra para
encontrar Kal-El, a humanidade que o acolheu corre o sério risco de
desaparecer.
Por ser um filme de origem, é na primeira hora que
basicamente se tenta explorar as relações entre os núcleos da trama e o
espectador vai se familiarizando com eles, principalmente criando empatia pelo
protagonista. Começando em Krypton, os excelentes efeitos especiais criam um
local exótico, sofisticado e tecnológico – embora frio, principalmente por
conta da formalidade entre os habitantes. Passado este primeiro ato, a
narrativa salta e se torna não linear, e logo já somos apresentados ao Clark
adulto – um homem sério, excluído e solitário. Sua infância e juventude são
relembradas pelo recurso do flashback com atores mais jovens e até com o
próprio Cavill, o que torna a história mais dinâmica e menos didática.
Até então o roteiro cumpre bem o seu papel e mostra uma
trama objetiva e sem rodeios. Ele descobre a verdade de sua origem e a aceita.
Há, atualmente, a tendência de o herói rechaçar o fardo de sua missão ou por
não se sentir capaz ou por não querer abrir mão de sua vida. Mas, por talvez já
estar ciente do que era, Clark veste o uniforme, dá seus primeiros voos e não
teme o que virá pela frente. Dessa forma, o texto escrito por David S. Goyer,
baseado em elementos recentes de hq’s do kryptoniano, ganha dinamismo e até
certa originalidade.
Além do perfil do protagonista, outros elementos se destoam
das versões mais clássicas, e um deles é Lois Lane (Amy Adams), que deixa de
ser aquela repórter inteligente mas que nunca percebe que o homem pelo qual é apaixonada
trabalha com ela na mesma repartição para ser mais descolada, perspicaz e
corajosa. Tanto que logo conclui que Clark e Superman são as mesmas pessoas, e
ele nem se preocupa com esconder os fatos. Sua audácia é tamanha que parte
dela, numa daquelas viradas sem sentido que sempre existem nos roteiros, a
ideia de salvar o mundo do ataque de Zod, um vilão de personalidade e
propósitos muito parecidos com o interpretado por Benedict Cumberbatch, em
“Star Trek – Além da Escuridão”: algumas de suas razões são legítimas, sendo,
contudo, a maneira de as executar questionável e o que faz dele o antagonista.
O filme ganha mais movimento no último ato, cheio de sequências
de embates homéricos entre as duas partes. Socos, prédios desabando e voos
parecem querer compensar aqueles que esperavam há décadas por lutas contra um
inimigo de peso, em uma megalomania de efeitos especiais. Alguns criticam
negativamente Zack Snyder, alegando que essa destruição exagerada muito lembra
a de “Transformers – O Lado Oculto da Lua”. Eu discordo. Enquanto Michael Bay
se apoiou em mais de uma hora de efeitos e sequências intermináveis para se
desculpar por um roteiro totalmente inócuo, em “O Homem de Aço” o diretor
contextualiza essas tomadas, que não são desnecessárias e não poderiam ser
menos grandiosas, afinal são dois deuses.
Ainda na parte técnica, a trilha sonora de Hans Zimmer
embala todo o projeto em perfeita harmonia, atribuindo tensão ou candura, se o
momento pedir. Mesmo ainda que se sinta falta do tema clássico composto por
John Williams, Zimmer atualiza suas canções na medida que também se atualizou o
herói. Sob a batuta de Nolan, Zack Snyder, já acostumado em adaptar
super-heróis, faz bonito na direção, acerta nos ângulos abertos e finalmente
abre mão daquela câmera lenta tão característica em seus trabalhos: em um filme
ágil, esse recurso não caberia.
Quanto ao elenco, todos estão muito bem encaixados em seus
papéis. Crowe rouba todas as cenas em que participa, ótimo como o prudente
Jor-El; Shannon compõe um típico vilão que achou o lugar correto entre o
caricaturesco e a convicção; Costner, apesar de aparecer menos que deveria,
incorpora com talento o sujeito pacífico e racional que procura defender seu
filho dos males do mundo; e Cavill interpretou com firmeza seu primeiro grande
protagonista, embora suas falas não sejam as mais impactantes e ele apresente
em certos momentos desconforto, assim como gestos e caras emburradas não muito
convincentes. No entanto, depois de Reeve, é o melhor Clark Kent/Superman de
que temos notícia.
Embora muitas vezes seja uma apologia a Jesus Cristo (ter 33
anos, ser uma espécie de messias, o grande salvador...), retratou-se o clássico
herói por uma nova perspectiva, diferente da perfeição, e o final escolhido
prova isso, e talvez por essa razão possa não agradar aos mais ortodoxos. O
realismo de Nolan evidencia que estamos numa nova era em que maniqueísmos e
inércias não podem existir – que, apesar dos sentimentos de ética e culpa,
somos capazes de atos desesperados e com duras consequências.
Em suma, acerta-se bem mais que se erra. E mesmo com algum
marasmo em seus 132 minutos (desconsiderando os créditos finais) é uma obra que
cumpre o seu papel de divertir, ainda que não haja situações humoradas, posto
que o filme possui um viés mais adulto (e se esperaria outra coisa de Nolan?). O
resultado final é muito bom, e de fato conseguiram dar uma nova energia à
mitologia do Super-Homem e esperança aos fãs de em breve vermos Liga da Justiça
nas telonas. Mas muita água ainda falta passar por essa ponte... Salve, Nolan!
Nenhum comentário:
Postar um comentário