domingo, 18 de agosto de 2013

Percy Jackson e o Mar de Monstros


Geralmente adaptada para obras nem sempre de fácil acesso a crianças e adolescentes, a mitologia grega encontrou na saga Percy Jackson & Os Olimpianos, escrita por Rick Riordan, o lugar perfeito para atrair justamente esse público e começar a familiarizá-lo a personagens tão importantes da literatura ocidental, como Ulisses e Aquiles. Adicionando ingredientes – que, verdade seja dita, em muitas vezes aludem aos da série Harry Potter, fenômeno literário anterior –, a jornada do garoto semideus filho de Poseidon rapidamente caiu nas graças do público e se tornou um grande sucesso editorial. Daí para o cinema foi um pulo.


Três anos após uma estreia que não agradou a todos, mas que rendeu bilheteria mundial suficiente para uma continuação, chega a adaptação do segundo livro da série aos cinemas, intitulado “Percy Jackson e O Mar de Monstros”.  Na história, o protagonista meio-sangue (Logan Lerman) e seus inseparáveis amigos Annabeth Chase (Alexandra Daddario) e Grover Underwood (Brandon T. Jackson) se unem novamente a fim de salvarem de um envenenamento a árvore de Thalia, a guardiã encantada que por sua vez protege de todos os perigos o Acampamento Meio-Sangue, e conseguirem para tanto o Velocino de Ouro. Ao trio juntam-se a guerreira Clarisse La Rue (Leven Rambin) e o ciclope Tyson (Douglas Smith) – que passam a lutar contra a tirania de Luke Castellan (Jack Abel), cujo intento é também conseguir o Velocino, só que para um fim apocalíptico: ressuscitar o grande titã Cronos.

O diretor escolhido desta foi Thor Freudenthal, que regeu filmes conhecidos da galerinha, como “Diário de um Banana” (2010). Aqui ele não decepciona, mas não oferece nada muito além do que já havia sido transmitido anteriormente: uma história de fácil compreensão, com resoluções banais e um tom ainda meio bobo. Tudo bem que a série literária em si não se propõe a questionar ou debater conceitos filosóficos e parecer mais adulta. Entretanto, para o cinema, que teoricamente abrange uma audiência maior, ele poderia ter usado da fotografia e da trilha sonora para expressar, em algumas tomadas, uma atmosfera um pouco mais sinistra. Afinal, quem não gosta – criança ou não – de alguns momentos de tensão? Seus enquadramentos de câmera pouco contribuem para se poderem visualizar emoções nos personagens, que foram preguiçosamente explorados e seus vínculos não soam tão naturais.


Para os fãs, uma boa notícia: respeitou-se mais a fonte desta vez e a adaptação se fez mais fiel. É verdade que muitos elementos foram deixados de lado enquanto outros inseridos (como o confronto com Cronos), porém grande parte deles estava presente. Mesmo assim, o roteiro de Scott Alexander e Larry Karaszewski talvez desagrade a alguns leitores mais exigentes. Por conta de um orçamento mais reduzido, o clímax da trama foi alterado e cenas importantes contra o ciclope Polifemo ou Luke foram extraídas. Praticamente a segunda metade foi abandonada ou sofreu profundas alterações, isso porque demandaria grandes gastos com efeitos especiais, que inclusive não foram tão trabalhados. Além disso, o comportamento da braba Clarisse foi se resfriando durante a projeção – talvez a fim de se inserir uma lição de moral – e o relacionamento entre Percy e seu meio-irmão Tyson nem de longe teve a amplitude relatada no romance, o que criou uma certa superficialidade e o personagem mais se destinou a ser um gancho.

Quanto aos atores, a maioria está melhor que no primeiro filme. Embora neste não temos a presença de grandes astros hollywoodianos, Lerman consegue levar bem o seu papel e se parece mais à vontade, afinal ele já mostrou que é talentoso ao viver um personagem difícil em “As Vantagens de Ser Invisível” (2012). Embora Grover não ganhe tanto destaque no filme como tem no livro, é o responsável pelas tiradas de humor e situações engraçadas, uma espécie de alívio cômico – é uma pena que o personagem só se resuma a isso. O pior em cena continua sendo Jack Abel. Não que ele seja ruim, mas se percebe uma por parte do roteiro uma responsabilidade por criar um antagonista raso, inexpressivo, caricato e que para pior não consegue se desenvolver sob a tutela do diretor.


Em suma, houve avanços e o filme está mais aprazível de se ver que o primeiro. Todavia, ainda não foi desta vez que o olimpiano mais famoso dos últimos tempos conseguiu êxito em uma adaptação cinematográfica à sua altura, diferente do que ocorreu nas ótimas adaptações dos também dois primeiros volumes para os quadrinhos – lançados no Brasil pela editora Intríseca.

“Percy Jackson e o Mar de Monstros” será lançado paulatinamente em todo o mundo, e parece estar agradando mais aos seguidores da pentalogia literária e amargando uma bilheteria fraca. Quanto aos fãs convictos, só podemos esperar que isso não iniba o estúdio de adaptar toda a série às telonas, mesmo que os avanços aconteçam aos poucos, de filme a filme. Certamente, existe ainda muita história a ser contada.

Nota: 7,0.

sábado, 10 de agosto de 2013

Círculo de Fogo (Análise e Crítica)



A premissa talvez tenda soar um tanto fantasiosa: em um futuro bem próximo, a partir de uma fenda entre duas placas tectônicas no coração do Oceano Pacífico (lugar geograficamente alcunhado Círculo de Fogo), criaturas colossais, que pretendiam colonizar a Terra desde a Era Jurássica, emergem do fundo do mar e devastam os quatro cantos do planeta. Você talvez já tenha visto recentemente algo semelhante em produções como a trilogia “Transformers” e no fracasso comercial “Battleship – A Batalha dos Sete Mares”. O diferencial é que nenhuma delas teve como regente Guillermo del Toro, que conseguiu trazer humanidade e sentido a um blackbuster que, igualmente aos outros, estaria fadado ao vazio e à supremacia dos efeitos especiais.

Sem demagogia, o longa é introduzido por uma narrativa que situa o espectador aos acontecimentos e logo somos apresentados a uma briga das boas entre um kaiju (os monstros) e um jaeger (a ofensiva robótica). A partir dessa cena, vivencia-se o drama do piloto de robôs Raleigh Becket (Charlie Hunnam), que perde seu irmão no ataque de um poderoso kaiju. Depois de cinco anos remoendo a dor e a culpa dessa ausência, ele é novamente recrutado pelo comandante Stacker (Idris Elba) para um plano audacioso, quando este é informado de que o programa será oficialmente fechado pelo governo por não ser considerado mais eficiente na proteção do mundo: entrar na fenda e destruir a passagem que liga os dois mundos. É a chance de o soldado se redimir consigo e ainda vingar a morte do seu irmão.


Diversos personagens entram na trama – a maioria caricaturesca mas que acrescenta sequer humor –, sendo a mais interessante a chinesa Mako Mori (Rinko Kikuchi). A atriz é a melhor em cena e dá a seu papel o tom certo, em uma atuação versátil que vai desde momentos de leve humor a situações de extrema comoção, quando as lágrimas parecem escorrer facilmente. Aliás, o roteiro, também de Del Toro, acerta ao explorar a relação entre os dois protagonistas, que vai muito além de uma atração e de uma compatibilidade física para comandarem o jaeger. Por ambos terem perdido tudo por causa dos monstros, um entende o sentimento do outro e se conectam ainda mais já que passam a dividir lembranças ao pilotarem o robô.

Outro aspecto importante é a utilização dos efeitos especiais. Embora a audiência possa claramente pelo contexto perceber que não são eles o foco da película, não há como negar o espetáculo visual que promovem. Realçada pela dúbia utilização da tecnologia 3D (que às vezes prejudica cenas que se passam na escuridão), a virtualidade talvez nunca tenha sido retratada de forma tão real: os monstros, os robôs, a destruição, tudo salta aos olhos com uma perfeição e sincronismo poucas vezes vistos. As tomadas de câmera mais fechadas nas cenas de ação nos proporcionam observar detalhes como a caracterização dos animais e todo o poderoso maquinário das sentinelas. E mesmo as mais abertas não deixam escapar os minimalismos apocalípticos dignos de um diretor tão aclamado por obras visualmente impactantes, como “Hellboy” e “O Labirinto do Fauno”.


As referências às séries nipônicas também são muito fortes. A começar pelo desenrolar da história, que se passa no continente asiático, passando pelas montagens das cenas. Quem foi criança nos anos 1980 e curtia durante a tarde as aventuras de Jaspion na extinta Rede Manchete se lembra daquelas lutas dentro da água ou no meio de Tóquio, cujas edificações e ruas ficavam totalmente arrasadas depois de um combate. E Del Toro não faz questão de escondê-las e nem de economizar nos enfrentamentos, já que o próprio diretor assume que o filme surgiu da ideia de homenagear esse tão importante legado que as novas gerações pouco conhecem.

Porém, o filme ainda sofre com alguns equívocos. As criaturas são mencionadas como colonizadoras de mundo (quais?), entretanto não se explica como elas conseguem viajar entre eles (pelo espaço?). Pesam mais de 2 mil toneladas mas não afundam o chão e ainda são nocauteadas por um navio-cargueiro, uma vez utilizado como arma. Se os jaegers levam consigo uma poderosa espada, por que não a utilizam antes de destruírem tudo ao redor? Lapsos de roteiro... Ademais, há muitas situações-clichê, previsibilidade, o texto é pobre e pouco metafórico (o que foi aquele discurso do comandante?), algumas interpretações são ruins ou exageradas e a trilha sonora mais parece um plágio de outras do gênero – os mais atentos podem a todo o momento reconhecer elementos de composições de outros filmes.


Misturando ingredientes de "Godzila" a "Transformers", o filme não deixa de ser uma "hollywoodizada" interessante e atual de um elemento da cultura japonesa que se consagrou em todo o mundo, que vale a pena ser conferido. Por motivos óbvios, está longe de ser no geral o trabalho mais completo de Del Toro, porém duas conclusões ficam evidentes: a de que o diretor estreou com o pé direito no filão das grandes empreitadas cinematográficas e a de que sem ele possivelmente teríamos um resultado aquém e sem profundidade humana, à moda de Michael Bay.

Nota: 6,5.

sábado, 27 de julho de 2013

Wolverine - Imortal (Análise e Crítica)



“Eu sou o melhor naquilo que faço. Mas o que eu faço melhor não é nada agradável”. Com essas frases, que mais tarde se tornaram o lema do mutante canadense, se inicia o arco simplesmente intitulado “Wolverine”, de 1982, roteirizado por Chris Claremont e desenhado por Frank Miller. Graças a ele, o personagem se consagrou ainda mais no universo Marvel e ganhou potencial para protagonizar histórias nas quais atuava sem os X-Men. A intenção era demonstrar a personalidade até então escondida do herói, mais humana e menos animal.

Com um grande sucesso entre a crítica e o público em geral, essa é a HQ em que a equipe de roteiristas se baseou para construir os argumentos de “Wolverine – Imortal” (“The Wolverine”, no original), a segunda empreitada solo do icônico personagem no cinema. No longa, dirigido por James Mangold, a relação com o Japão, tão importante para sua mitologia, é explorada: Logan/Wolverine (Hugh Jackman) é convocado para ir ao país oriental, em nome do poderoso Yashida (Hal Yamanouchi), um sobrevivente da Segunda Guerra que se encontra à beira da morte. Lá, aquele recebe uma proposta tentadora – ganhar a sonhada mortalidade – e acaba se apaixonando pela neta do anfitrião, a delicada Mariko Yashida (Tao Okamoto). Depois da morte do “amigo”, Logan percebe que o que existe na verdade é um grande esquema ambicioso que coloca em risco a vida de sua mais nova paixão.


Mesmo modificando diversos elementos da narrativa original, inclusive inserindo e extraindo outros, a adaptação é uma das melhores dos últimos tempos. A questão da mortalidade foi inserida na trama cinematográfica e a serve como fio condutor, o que torna o capítulo mais atrativo ao público e também sintético, visto que uma adaptação fiel da HQ requereria uma maior contextualização e não se encaixaria totalmente em apenas duas horas de fita. Entretanto, o mais importante foi preservado – o conceito essencial. Apesar de conter cenas de violência, a todo o momento há a intenção de mostrar o seu lado humano: ele se apaixona, sente culpa e remorso, cuida, só mata quando precisa – e, principalmente, deseja se tornar mortal.

Além disso, a tendência de sempre sombrear a vida desses superseres com tragédias, desmistificando-os, também se faz presente nesta película. Assim como a trilogia de Nolan para Batman e os recentes “Homem de Ferro 3” e “O Homem de Aço”, o início da trama introduz o público a um herói derrotado e sem perspectivas e que se sente atormentado pela morte de Jean Grey (Famke Jannsen), evento relatado em “X-Men – O Confronto Final” (2006), que agora aparece ora como uma espécie de guia espiritual ora como seu subconsciente, nos sonhos de Logan.


Na tentativa de igualmente construir um universo coeso, “Imortal” dialoga com todos os filmes da saga mutante, mesmo que seja através de uma simples referência, como acontece quando, em delírio, Logan chama pelo nome de Keyla – a mulher pela qual se apaixonou no polêmico “X-Men Origens: Wolverine” (2009). Contudo, a atmosfera sombria não faz do longa algo pesado por conta essencialmente do humor, elemento que até então não havia sido relacionado ao personagem (como o quarto de motel temático, por exemplo). A fotografia também ajuda nessa questão, equilibrando claridade e escuridão e não dando aquele tom cinzento em toda a projeção.

Embora a produção seja competente – e até as conversas entre os nativos serem no idioma local (algo, por sinal, muito interessante) –, o filme peca em alguns aspectos. O primeiro deles é uma certa banalidade: a película, a princípio, acrescenta poucos ou até nenhum elemento de fato importante à mitologia do herói na sétima arte, já que o mesmo retorna ao seu status quo ao final, o que dá a sensação de aventura pela aventura. O segundo é o tamanho, quase duas horas: nesses casos, geralmente o roteiro perde o fio da meada em alguns momentos, e o longa não consegue fugir disso e cai em clichês desnecessários, principalmente na sua última meia hora. Se terminasse no combate com o Clã das Sombras, talvez ficaria não só mais enxuto como dinâmico. E, por final, o mau aproveitamento de personagens e elementos importantes da HQ, como a deslocada Víbora, em uma péssima performance de  Svetlana Khodchenkova; e o Samurai de Prata, jogado na história em uma completa imposição de barra.


No mais, nada se compara ao carisma de Hugh Jackman como Wolverine, que interpreta o carcaju pela sexta vez e ainda mais à vontade no personagem, ao qual ele consegue dar longevidade e carga dramática que cativa, quando o natural seria fazer enjoar. Ele é um dos poucos casos em que imaginar o personagem com outro ator se torna quase impossível. Acontece(ia) parecido com Robert Downey Jr., mas que em “Homem de Ferro 3” já demonstrou certa exaustão e falta de criatividade. Para os apressados de plantão, vale a pena ficar um pouco mais na sala e esperar a interessante cena entre-créditos, que confirma a participação do mutante no próximo longa dos X-Men, cuja estreia é prevista para 2014.

Apesar de o desfecho decepcionar um pouco e o 3D ser uma total perda de tempo, o projeto apresenta uma história interessante, e que pelo menos pode satisfazer os interesses por ação e bom passatempo do espectador descompromissado e que passou a curtir filmes do gênero pelo grande sucesso que se transformaram. Fenômeno esse que, por coincidência, começou lá no já distante ano 2000, com o lançamento do primeiro X-Men – do qual, por sua vez, Wolverine já fazia parte. Com certeza, ainda há muita coisa a ser contada...

Nota: 7,5.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

O Espetacular Homem-Aranha (2012) X Homem-Aranha (2002): Duas versões da mesma história, ou duas histórias para a mesma versão?


Dez anos. É esse o tempo que separa “O Espetacular Homem-Aranha” (2012), dirigido por Marc Webb, do simplesmente “Homem-Aranha” (2002), primeiro capítulo da trilogia de enorme sucesso dirigida por Sam Raimi. Na comparação entre as duas fitas, o legal não é tentar ver qual supera a outra, mas sim verificar as estratégias utilizadas pelos diretores e roteiristas a fim de contar a história de um dos personagens mais importantes da cultura pop e ícone da editora Marvel – o Homem-Aranha.

O que de pronto se observa na adaptação cinematográfica de Sam Raimi é que o cineasta respeita o máximo possível a origem do herói como fora contada em suas primeiras histórias, no longínquo ano de 1962. Porque, caso não, o longa já estaria prontamente destinado ao fracasso, uma vez que o público-leitor das histórias em quadrinhos é um dos mais exigentes e não se agrada em nada quando se depara com modificações bruscas nas mitologias dos seus personagens.

Mesmo assim, não há como não dizer que Raimi não tenha se arriscado. Originalmente, quando picado de maneira acidental por uma aranha cuja genética havia sido modificada, Peter Parker adquiriu alguns poderes (flexibilidade física, sentidos mais aguçados), porém não o de produzir biologicamente sua própria teia. Mexendo em um dos pontos mais cruciais de sua mitologia, Raimi fez que o seu Aranha (intepretado por Tobey Maguire) produzisse seu fluido de teia em seu próprio corpo, como se fosse um outro poder adquirido devido à picada. Embora as diversas explicações dadas, os fãs mais tradicionais não gostaram nem um pouquinho.


Outro ponto modificado trata-se da primeira grande paixão do mascarado. Nas primeiras histórias, a musa inspiradora é Gwen Stacy, uma jovem que acaba sabendo da vida dupla de Peter Parker, mas que paga um preço caro por isso: é morta pelo Duende Verde, o vilão que protagoniza o primeiro filme da franquia. Entretanto, a equipe criativa resolveu escalar a ruiva Mary Jane Watson (Kirsten Dunst) como a primeira namorada. Explicou-se que esta tinha maior apelo comercial que aquela, uma vez que era mais conhecida do grande público e havia protagonizado um número maior de histórias com o vigilante nova-iorquino. Mas alguém duvida de que isso também não tenha convencido aos fãs mais ortodoxos?

O perfil do personagem também foi mantido. Ao assistir à trilogia, basta ter um pouco de atenção para verificar que o personagem vai aos poucos ganhando um senso de humor e ficando mais irônico, trazendo para sua vida uma característica que era mais presente em seu alter-ego. Essa mudança de perfil veio das próprias HQ’s. Nas primeiras revistas, Parker era um adolescente bobão, nerd, de poucos amigos, chacota da escola, um pouco triste, e isso foi respeitado no filme. Pouco tempo depois, tendo a percepção dos seus poderes, que ele foi se soltando, e seus voos metaforicamente passaram também a simbolizar a descoberta de si mesmo. A liberdade experimentada pelo mascarado também passava a fazer parte da vida do homem.

2012 é um ano importante para a cronologia do Aranha. Além de o primeiro filme da trilogia completar 10 anos e de o herói fazer 50 anos de criação, marca a estreia de uma possível nova franquia. Agora, sob o título pomposo de “O Espetacular Homem-Aranha” (o nome integral da revista), a sua origem é revisitada, e, logicamente, os fatos são contados de outra forma.


Depois da polêmica negativa de “Homem-Aranha 3” (2007) – um sucesso de bilheteria mas que obteve muitas críticas – Sam Raimi chegou a trabalhar naquele que seria o quarto projeto da franquia. O roteiro, modificado várias vezes, teria a princípio o Lagarto como inimigo do herói mesmo. Ocorre que o diretor se desvinculou do projeto por incompatibilidade criativa, mas a Sony não se deu por satisfeita. Rendendo milhões de dólares em todo o mundo, a empresa sabia que tinha um verdadeiro Midas em suas mãos e que, se não trabalhassem a tempo em um novo filme, os direitos do personagem voltariam para a Marvel, a editora que o criou. Resolveram assim fazer um “reboot”, que, na linguagem da sétima e nona artes, significa recontar a origem de um personagem.

Com equipe totalmente reformulada, Peter Parker ganha novamente as telas, agora vivido pelo pouco conhecido Andrew Garfield. Como não deveria deixar de ser, os elementos essenciais continuam lá, embora contados de outras formas: a picada, a inércia de Peter que resultou na morte do Tio Ben, o ringue onde o herói se descobriu, entre outros. Mas as diferenças são muitas.


Primeiro, a cronológica. A versão de 2012 se abrange mais ao público não muito familiarizado com as peripécias do protagonista. Há uma certa didática ao começar o filme mostrando Parker ainda criança e tendo de ir morar com os seus tios, May e Ben Parker, pois seus pais legítimos necessitam fugir do país, uma vez ameaçados. Essa apresentação é muito rápida, porém elucida bastante o entendimento da trama. Em um salto temporal, já o vemos rapaz, nas situações muito semelhantes às apresentadas no filme de Raimi.

Entretanto, Parker aqui não é um fotógrafo profissional. Ou seja, todo o núcleo do Clarim Diário (incluindo a figura de JJJ) está ausente desta versão. Ele é apenas um colegial, aspirante a cientista. Ademais, Garfield – uma excelente escolha, por sinal – dá um tom mais descolado ao personagem, muito condizente com o perfil atual do herói nos quadrinhos. Embora ainda tímido, distraído, atrapalhado e nunca pontual, Peter é menos triste e leva consigo já um grande senso de humor. Essa característica é cedida ao seu alter-ego; não o contrário.


O garoto também agora “chega junto” e convida Gwen Stacy (Emma Stone), seu primeiro amor, para saírem, o que acaba resultando em namoro. Esse tom leve é a chave para o público se identificar mais com o herói, o que a princípio não acontece com a versão de Maguire. Em contrapartida, este é mais solitário, pois o núcleo da família Osborn também não aparece fisicamente na trama, embora Norman (a identidade civil do Duende Verde) seja o responsável por todos os acontecimentos trágicos, incluindo a transformação de Curt Connors (Rhys Ifans) no Lagarto.

Se o ator deste capítulo é mais carismático que o do outro, o diretor, por sua vez, não. Marc Webb, estreante em produções gigantescas desse naipe, não faz feio, mas nem de longe tem o olhar detalhista de Raimi. Essa conta, na verdade, é o que equilibra os dois filmes, fazendo que existam assim tanto pontos positivos como negativos nas duas produções.

Acompanhando essa versão menos infantilizada do personagem, a maioria das cenas de “O Espetacular Homem-Aranha” são noturnas, o que, querendo ou não, dá ao personagem uma certa emancipação. Algumas críticas dizem que o personagem foi trabalhado em uma versão mais sombria, do que eu discordo inclusive. Não há como o Homem-Aranha ser um personagem sombrio, esse adjetivo não combina com sua personalidade. O ímpeto de vingança, de querer encontrar o assassino de seu tio, também estava presente no primeiro filme. Porém, em ambos, ele canaliza esse sentimento e o transfere na feitura de boas ações, ajudando a polícia de Nova Iorque, prendendo ladrões e combatendo inimigos, embora nunca sendo verdadeiramente compreendido.

Respondendo ao título deste artigo, creio que o que temos é a mesma história em duas versões. E elas se complementam e dialogam entre si, não poderia ser diferente disso. As duas produções merecem o reconhecimento como “espetaculares”, pois souberam dar a elas traços únicos e uma linha narrativa coesa.

Algumas pessoas devem imaginar que se trata apenas de um caça-níquel e de que não havia necessidade de recontar a história em um prazo tão curto. Não deixam de ter razão, pois necessidade mesmo nunca houve. O que houve foram motivos, de diferentes aspectos. Porém, os cuidados com a produção, com o roteiro e com a mitologia do herói fazem desse capítulo um digno presente em homenagem ao meio século de existência do personagem.

Compre o box recém-lançado da trilogia de Sam Raimi. Vá ao cinema e confira a versão de Marc Webb. Tire suas próprias conclusões. E, acima de tudo, divirta-se!

O Espetacular Homem-Aranha (Análise e Crítica)


Ele é um dos heróis mais amados pelos apreciadores da chamada “cultura pop”. Criado há mais de 50 anos pelo intitulado gênio Stan Lee, o Homem-Aranha atravessou durante sua trajetória fases polêmicas e controversas, mas nunca deixou de ser um dos personagens mais populares das histórias em quadrinho. Prova disso está no mais recente lançamento cinematográfico baseado na mitologia do alter-ego do fotógrafo Peter Parker. “O Espetacular Homem-Aranha”, que estreia neste fim de semana no Brasil, reúne mais uma vez elementos tradicionais que farão deste apenas o primeiro capítulo de uma franquia promissora que parece surgir, inclusive já quebrando recordes mundo afora.

Desta vez, dirigida por Marc Webb, estreante em produções gigantescas como esta, a trama começa de maneira mais didática, uma vez que apresenta ao público um Peter ainda criança, criado pelos pais, que, logo ameaçados, necessitam fugir do país o mais rápido possível. Assim, ele é deixado na casa de May (Sally Field) e Ben Parker (Martin Sheen), tios de Peter (Andrew Garfield), que cuidarão do garoto como se fossem seus verdadeiros pais. Em um salto no tempo, já no colegial, nos deparamos com o protagonista adolescente, com todos aqueles dilemas típicos da idade, inclusive a descoberta do primeiro amor, agora vivido com Gwen Stacy (Emma Stone), que originalmente apareceu antes da ruiva Mary Jane Watson.

A partir desse momento, o longa nos mostra que contará a história do herói sob outro viés – o humor. Embora Webb não tenha se mostrado um grande diretor, a escolha de Garfield foi o elemento que deu vida à produção. Junto a um texto simples, mas que funciona, o ator leva a plateia às gargalhadas com suas caras e bocas, além do jeito tímido, atrapalhado e descolado, características inerentes ao personagem, mas que ficaram bastante de fora na versão de Raimi. Nessa atmosfera mais descontraída, não há como o público não se identificar com o jovem.

Escrito magistralmente por James Vanderbilt, Alvin Sargent e Steve Kloves, o roteiro consegue ligar o adolescente ao cientista Curt Connors (Rhys Ifans), que mais tarde se transformará no Lagarto, o vilão a enfrentar o Homem-Aranha. O fato deve alegrar um pouco as expectativas dos fãs, já que nas HQ’s esse é um dos primeiros adversários do Amigão da Vizinhança, aparecendo logo nos números iniciais da revista. Quanto ao filme, Connors trabalhava com os pais de Peter e o contrata para continuar as pesquisas sobre regeneração de membros, posto que perdera seu braço direito. Contrário ao seu querer, acaba tornando-se cobaia do experimento e sendo alvo, assim como Peter, de uma mutação genética, que o transforma em um espécime híbrido. Como já se imagina, dará muito trabalho a Parker, que se sente culpado e criador de tal aberração, o que resultará em cenas de bastante ação.

Nesse tipo de filme, ação puxa efeitos especiais (e digitais). E são muitos, por sinal. Se a caracterização do vilão não chega a impressionar, as tomadas de ação de certa forma tiram o fôlego, principalmente os voos panorâmicos do Homem-Aranha. Entretanto, acertou-se na mão, e o “muito” não se torna “exagero”. Como deve ser, é um filme que nem de longe tem seu roteiro baseado nos efeitos. Em relação ao 3D, utilizou-se o recurso de aproximação, e não o de profundidade. Verdade: não é muita a interatividade com o espectador (coisas voando, saindo da tela, esse tipo). Porém, dependendo do lugar onde se senta, tem-se a percepção de que você faz parte da cena, daquele mundo. Não deixa de ser interativo também, só que de outro jeito.

O nome já diz tudo: é de fato espetacular! Com mais ou menos 140 minutos de fita, deixa no final o gosto de quero-mais e de que há ainda muita história para ser contada. Além disso, “O Espetacular Homem-Aranha” prova que não somente com talento – mas acima de tudo criatividade e um olhar diferenciado – é possível iniciar uma nova franquia, mesmo que a antecessora, de enorme sucesso, tenha feito apenas 10 anos de vida. Obviamente, existem situações bobas e desnecessárias. Mas os próprios quadrinhos não estão cheios delas também?

Por fim, não se esqueçam de assistir ao rápido pós-credito. Sim, há. Já preso e com sua consciência mamífera supostamente restabelecida, Connors conversa com aquele que pode ser o vilão do próximo filme. Tudo muito vago, meu palpite é que seja o Electro, um personagem com diversas origens dentro do Universo Marvel. Mas ainda é muito cedo para apostas.

Nota: 9,0.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

As Aventuras de Pi (Análise e Crítica)


Baseado na literatura fantástica “Life of Pi”, de Yann Martel, chega aos cinemas brasileiros, neste final de semana, este que é apontado como um dos melhores filmes do ano e forte concorrente a ganhar várias estatuetas do Oscar: “As Aventuras de Pi”, do diretor Ang Lee.

O longa conta a história do garoto indiano (cujo nome verdadeiro é Piscine), que, rumo ao Ocidente, perde sua família em um naufrágio. Tido como único sobrevivente, ele acaba resgatando alguns animais durante o trajeto, já que eles pertenciam ao zoológico que seu pai tinha e estavam no navio. São eles uma zebra, um orangotango, uma hiena e o tigre-de-bengala Richard Parker. Aparentemente simples, foi um grande desafio para o diretor justamente pelo fato de ser tão complexa ao mesmo. Afinal, como se deveria narrar 90 minutos de convivência entre um garoto e um tigre dentro de um bote, perdidos no meio do Pacífico? Como não se repetir, e ainda prender o espectador, e fazê-lo sonhar e refletir?

Bem, vamos por parte. Até chegar o momento do desastre, leva determinado tempo, pois se optou em contar um pouco a vida do rapaz, até para que o público se familiarizasse com o personagem. E funciona. Embora algumas críticas apontem este ato do filme como longo e cansativo, é a partir dele que conhecemos a estrutura familiar de Pi (Suraj Sharma/Irrfan Khan), a sua filosofia de vida e seus valores, que serão postos em xeque durante sua luta para sobreviver. Além disso, ficamos com a bela fotografia de Claudio Miranda, que já no primeiro momento abre o filme com uma linda sequência de cenas. Por o fio condutor da trama ser costurado pelo flashback, compreende-se o adulto (que relata os acontecimentos) pelos olhos do menino que um dia ele foi.

Para os céticos de plantão, talvez incomode um pouco o fato de a produção se apoiar em critérios subjetivos para justificar os resultados. Explico. Criado em uma família indiana mais liberal, em que o pai é (ou se mostra ser) ateu e a mãe hindu, Pi cria raízes com o cristianismo, islamismo, hinduísmo e a cabala, levando todos os preceitos desses crédulos dentro de si. Assim, a sua fé é sempre questionada e a sua salvação se dá em nome de Deus, uma vez que parece o cristianismo ser a doutrina mais presente no rapaz. Pode-se perder, desse modo, o gosto da aventura pela simples aventura, e a história mais se assemelhar a uma alegoria bíblica, que, como todas as outras, tem a intenção de exemplificar e moralizar a fé no deus cristão.

O que não estaria fora de questão. É cabível a interpretação de que a vida de Pi (como no original) fosse um grande pastiche à alegoria bíblica de Noé, que com sua arca teria levado um casal de cada espécie animal. Lógico que, aqui, em proporções menores. E, na verdade, existe claramente uma referência a tal episódio no filme, quando Pi saúda seu orangotango dizendo “Bem-vindo à arca de Pi”. Não é à toa que se poderia ouvir na plateia cristãos se manifestando toda a vez que o nome de Deus era clamado, seja em forma de louvor ou de questionamento.

Respondendo às duas perguntas anteriormente feitas, a adaptação e o roteiro de David Magee não deixam o filme literalmente se afogar ou morrer na praia. (Ainda) não li a obra para poder traçar paralelos, mas a escolha pelo humor ingênuo e ao mesmo tempo desesperado foi uma grande sacada. A relação entre o tigre e o garoto é tão humana, que nos pegamos analisando a nós próprios. Antes alvo de um tigre faminto – e daí situações das mais inusitadas para dele fugir – a cumplicidade estabelecida faz que o felino termine a história deitado no colo de seu dono como se fosse um gato de estimação. Dividindo a fome, o medo, o cansaço e a desesperança, tornam-se um a companhia do outro e o motivo de suas respectivas sobrevivências. Isso prende o espectador.

Ademais, a direção de Ang Lee enaltece todos os elementos que compõem a obra. Sua “bipolaridade” construtiva é o que marca seu trabalho. Diretor de produções como o excelente “Razão e Sensibilidade” e do deprimente “Hulk” (2003), sempre é uma tensão assistir aos seus trabalhos. Mas em “As Aventuras de Pi” ele presenteia o público com uma [quase] perfeita construção narrativa, em que um olhar ou somente um gesto dos personagens dizem infinitamente mais que quaisquer palavras. A sua escolha por Suraj Sharma é correta, afinal quem diria que existia um grande ator dentro de um simples estudante indiano que apenas fez um teste para tentar concorrer ao papel. Sharma, pelo contrário, além de sua beleza fotográfica singular, mostra ter um talento nato e ser formado em uma grande escola de atores, tamanha sua honestidade e entrega ao personagem. Sim, sua grande escola foram as mãos de Ang Lee, conhecido como extremamente perfeccionista (algo normal na ideologia oriental de ser).

O 3D não é utilizado de forma vã. Há interatividade (que bom!!!) com o espectador e alguns sustos também. Entretanto, os efeitos visuais capturados pela tecnologia, como a cena do balé de águas-vivas e a dos peixes-voadores, são o que transmitem emoção. Que somada às belas interpretação, fotografia e trilha sonora de Mychael Danna transporta a todos ao mundo de sonhos e de fantasia. Nunca a imagem no cinema poderá superar as artimanhas da imaginação na literatura, mas no caso de “As aventuras de Pi” ouso dizer que a fronteira se tornou bastante tênue.

O final do filme pode desmotivar um pouco, principalmente quando Pi conta uma outra versão em relação a tudo aquilo que antes presenciamos. Atenção a este momento, pois é de extrema importância para a narrativa. Quem não conseguir compreendê-lo perderá a possibilidade de refletir sobre as metáforas e simbologias usadas, além do emprego da fábula, para esconder os tristes acontecimentos reais originados pela tragédia em alto mar. Assim, a fábula tem a função de torná-los mais gentis e eufônicos.

Sem dúvida, uma superprodução e que vale ganhar todos os prêmios a que concorrer. Ideal para esta época do ano, em que acostumadamente nós revisamos valores e pensamos sobre nossas atitudes e erros, e as possibilidades para consertá-los.

Nota: 9,0.

A Caça (Análise e Crítica)


Como qualquer obra aberta, a leitura de um filme não está em que o seu diretor pretende transmitir, mas sim naquilo que o receptor – o telespectador neste caso – consegue captar, levar para o seu mundo, dar a isso sentido(s) próprio(s), para assim poder interpretar. Essa “morte do diretor” nunca me foi tão evidente como em “A Caça”, longa de origem dinamarquesa que estreou em pequeno circuito no Brasil neste final de semana.

A narrativa se concentra em Lucas (Mads Mikkelsen), homem solitário, professor querido em uma escola infantil, que luta para obter mais tempo com seu filho, mas que de maneira aparentemente injusta é acusado de pedofilia e abuso sexual por uma das alunas, Klara (Annika Wedderkoop), filha do seu melhor amigo Theo (Thomas Bo Larsen). Mesmo sem provas concretas, além do depoimento de uma menina de cinco anos que a todo momento é descrita como dona de uma imaginação muito fértil, ele é hostilizado por essa pequena comunidade interiorana e acaba se fechando em seu próprio mundo.

Dirigido e co-roteirizado por Thomas Vinterberg, o longa acerta em tirar o foco da possível culpa quando decide discutir a fragilidade nas relações de amizade e confiança. Para tal, usa-se da força destruidora que um simples boato pode causar na vida de uma pessoa. Além de perder o emprego e a confiança de toda uma cidade que o dizia conhecer há anos, ele perde acima de tudo sua dignidade. Contando apenas com o apoio do seu filho e de seu compadre (que em alguns momentos parece titubear da inocência do amigo), sua casa é apedrejada e sua cachorra Fanny, única companheira, é assassinada como represália.

Além disso, propõe debater essa tendência atual de se acreditar que as crianças são incapazes de mentir, vingar-se e crer de tal maneira em suas próprias fantasias que acabam as tornando reais. Baseando-se em uma psicologia vaga e amadora, todos os pais da cidade acusam o professor de molestar seus filhos apenas porque estes tinham pesadelos (quais crianças não os têm, afinal de contas?). Faz-se uma profunda reflexão também sobre o poder negativo da palavra e da fabulação: o como que, da noite para o dia, uma mentira se espalha com tanta força a ponto de se transformar em realidade e senso comum.

Em entrevistas de divulgação do filme, Vinterberg afirma que seu protagonista é inocente e que ele, o diretor, deixa isso bem claro na película. De fato, o telespectador sabe, por exemplo, como a pequena Klara conseguiu vislumbrar a imagem de um pênis ereto (viu em uma revista pornográfica do irmão adolescente) e o motivo de sua torpe acusação (ela acaba se apaixonando pelo professor mas logicamente não é correspondida). Entretanto, voltando ao que foi dito no primeiro parágrafo, o longa não deixa de ser ambíguo em alguns momentos.

Por exemplo, a cena em que Lucas limpa um de seus alunos, que havia terminado de fazer suas necessidades. Estaria lá à toa? Lógico que não: mostra as possibilidades que ele teria de contato íntimo com as crianças. Ao final do filme, quando a cidade parece esquecer o mal-entendido e ele pega Klara no colo, seu olhar não parece ser tão inocente: para se proteger, não seria mais coerente deixar de manter contato tão íntimo com a garota? Ou ele não pôde resistir ao seu verdadeiro desejo? Ou então, em vista do já ocorrido, ele estaria livre para voltar a fazer suas práticas, já que agora contaria com o argumento de um episódio distorcido? Ou seria de fato inocente e tal atitude poderia ser uma forma de dizer que já havia perdoado?

Além da direção de qualidade, as interpretações são o que marcam a excelência do filme. Todos os atores, sem exceção, são verdadeiros aos seus personagens e se entregam totalmente à história. Ganhador do Palma de Ouro no ano passado justamente por esta interpretação, Mikkelsen coloca em seu Lucas uma passividade que irrita, fragiliza e – principalmente – questiona. O que você faria se acusado injustamente de algo tão bárbaro? O personagem simplesmente esperou sentado pela sua absolvição. A psicologia humana é algo muito complexo: estaria ele ciente de sua inocência? Ou as agressões sofridas e nem sempre contestadas seriam uma forma de autopunição por ele próprio se considerar doente e monstro? Por escapar das perguntas ou nunca respondê-las de forma clara, ficamos na incerteza. E as cenas do supermercado e da igreja, as melhores sequências da produção, confundem mais que esclarecem.

Muitos criticaram o final do filme, dizendo que este seria o seu único ponto fraco. A meu ver, foi um desfecho magistral. O título não é apenas metafórico. Lucas é um caçador de cervos e que, por ironia do destino, acaba sendo a caça de uma comunidade (e/ou até de si mesmo?) Com a situação já resolvida perante a cidade, um grupo de amigos decide caçar cervos junto com ele, que inicia seu filho Marcus (Lasse Fogelstrom) na prática. Num clima de mistério, um tiro passa raspando pelo personagem. Neste momento somos guiados pela óptica de Lucas, que não vê esse suposto assassino por conta da claridade do sol. Quem poderia ser: alguém que não se convenceu de sua inocência? Esta pessoa estaria entre seus amigos de caça? Ou seria uma vítima? Seu próprio filho, que parece não ligar para garotas, teria sido uma vítima e se lembrado de alguma coisa durante o estopim dos boatos? O que sobram são simplesmente as perguntas...

Com uma fotografia bastante intensa, “A Caça” hipnotiza o telespectador do início ao fim, não o fazendo sequer piscar. É um filme inteligente, por ser ambíguo em sua objetividade e conseguir manter este aspecto da primeira à última cena. Provoca. Uma boa pedida para amantes de um cinema de qualidade e apreciadores de obras que se situam fora do circuito comercial e que, justamente por isso, não recebem o valor que merecem. Uma obra-prima!

Nota: 9,0.

terça-feira, 16 de julho de 2013

O Grande Gatsby (Resenha)


Apesar das críticas mornas, vale muito a pena conferir este filme principalmente pelo talento de Leonardo DiCaprio, disparado um dos melhores atores de sua geração. E ele realmente arrasa, com uma interpretação hipnótica e na medida certa. Aliás, todo o elenco está bastante afiado e dá vida a personagens bens construídos, inclusive o insosso do Tobey Maguire, que ainda não conseguiu perder aquela cara de bobo.

Como o texto de F. Scott Fitzgerald é difícil de se adaptar, Baz Luhrmann se valeu da linguagem do cinema para tal: enquanto o literato tem em sua escrita o seu elemento mais genial, o diretor narra essa história tão simples através da sofisticação, glamour e cenários gigantescos.

Exageradamente ousado e extravagante, tal advérbio parece a princípio dar à trama o vislumbre necessário para disfarçar argumentos vazios do roteiro. Lego engano, já que o longa cresce a cada momento e nos presenteia com cenas lindíssimas como o encontro entre Gatsby (DiCaprio) e Daisy (Carey Mulligan) , e a conversa decisiva entre os personagens centrais, que acarreta numa emocionante reviravolta.

Além disso, diálogos, efeitos especiais (o 3D não é de todo indispensável, embora seja bem aproveitado), direção de arte e trilha sonora são elementos que se destacam pela alta qualidade.

Grandioso e por vezes vagaroso, não é uma película para um público acostumado a produções de alta tensão ou ação infindável. É necessário paciência para poder degustá-lo da melhor forma possível. Só poderia ser mais curto, já que duas horas acabam tornando-o desgastante em alguns momentos.

Nota: 7,5.

Velozes & Furiosos 6 (Análise e Crítica)


Não se rendendo à onda dos reboots (uma estratégia rentável de Hollywood, porém irritante, por se tratar daqueles reinícios de franquia que geralmente acontecem depois da outra de sucesso tida como original), é muito interessante ver que a série Velozes & Furiosos vem amadurecendo a cada novo episódio.

Quando surgiu, em 2001, basicamente se resumia a rachas, a brigas inexpressivas e a modelos tipicamente norte-americanas rebolando ao som de hip hop. Com personagens entrando e saindo, passaram por Los Angeles, Londres, Tóquio e recentemente Rio de Janeiro. Os primeiros capítulos, de roteiros fracos e vazios, aos poucos foram ficando mais desenvolvidos, principalmente a partir de 2009, quando a quarta parte do projeto que se destinava a ser apenas uma trilogia foi lançada e viram que precisavam inserir na trama algo mais que a testosterona das corridas de carro. O conceito de equipe-família começou a ser explorado, e o que era somente ação passou a ter também alguns elementos dramáticos.

Dirigido por Justin Lin, “Velozes & Furiosos 6” estreou simultaneamente em vários países do mundo e tem ligações com toda a franquia, especialmente com o quarto filme. Neste enredo, a equipe chefiada por Dominic Toretto (Vin Diesel) é acionada pelo policial que os caçava no longa anterior, Luke Hobbs (Dwayne “The Rock” Johnson), para capturar o criminoso Shaw (Luke Evans), que tem em suas mãos uma arma capaz de eliminar milhões de vida ao redor do globo. Para motivá-los, o representante da lei lhes entrega fotos recentes de Letty (Michelle Rodriguez), antiga paixão de Dom dada como morta. Em troca, Brian (Paul Walker) pede anistia para poderem voltar aos Estados Unidos. Aí começa toda a empreitada...

É verdade que o roteiro é bem costurado, mesmo não apresentando originalidade e inovações. No início da projeção, há uma certa apelação por principalmente as personagens femininas aceitarem passivamente a opção de perder os homens que amam em uma missão quase suicida. Mas, tudo bem, é uma forma de não estender muito a maior película da franquia, com 125 minutos de duração. As atuações são de medianas a boas e, embora o destaque não seja ele desta vez, cabe a Walker as cenas de maior dramaticidade. Entre tiros e perseguições, as tiradas de humor dão refresco e revigoram a narrativa, tarefa que mais ficou a cargo de Roman Pearce, personagem de Tyrese Gibson, que entrou no segundo longa da saga.

Apesar de tudo, o que sobe o conceito desta sexta parte são as excelentes sequências de ação e as lutas coreografadas. Com referências claras ao estilo 007, o filme apresenta ao espectador lindas imagens paradisíacas e adrenalina de sobra. As direções de cena e de câmera dão um verdadeiro espetáculo e, mesmo com todas as improbabilidades da Física, dão realismo às cenas por conta do uso moderado de computação gráfica.

O grande destaque, lógico, é a última perseguição envolvendo um avião e vários carros: são quase 20 minutos de imagens nervosas, bons confrontos, emoções e muitos efeitos. Uma outra tomada, nas ruas da Espanha, inclusive com um tanque de guerra, também não fica aquém. Claro que, ao final de cada uma delas, acabamos rindo, exclamando um “fala sério” e ouvindo alguns palavrões da plateia; porém, fazem parte do show esses elementos fantásticos mesmo. Afinal para isso que vamos ao cinema, para sairmos de nossa realidade tão concreta e absurdamente previsível.

Por tudo isso, “Velozes & Furiosos 6” se concretiza como o melhor de uma franquia que ainda mostra muito gás dentro de uma mitologia que já poderia estar desgastada. Se fosse o último, encerraria com chave de ouro. Mas ainda há a sétima parte, que estreará no verão norte-americano de 2014 e cujo vilão será vivido por ninguém menos que o queridinho do gênero, Jason Stathan – como mostra a cena pré-crédito. Quer prova maior de que está crescendo? Pipoca e diversão garantidas, uma ótima opção de entretenimento sem pretensão e adrenalina de primeira qualidade.

Nota: 8,0.

domingo, 14 de julho de 2013

Minha Mãe É Uma Peça - O Filme (Análise e Crítica)



Não se pode negar que o gênero comédia foi o que ressuscitou o cinema brasileiro, especialmente nestas duas últimas décadas. Claro que nesse filão existem boas e – dentro do possível – competentes produções, assim como também há outras bastante oportunistas, que apenas se aproveitam da evidência para fútil arrecadação de dinheiro. Geralmente de roteiros bem simples – alguns inclusive patéticos e nada criativos – esse formato se assegura na rapidez do texto e no talento de [alguns] atores, que provocam o riso na plateia a partir de situações, gestos e semblantes inusitados.

“Minha mãe é uma peça – O filme”, estrelado pelo comediante Paulo Gustavo, pode-se dizer que se encaixa no primeiro grupo. Entretanto, não diferente dos demais, utiliza-se das linguagens verbal e gestual para suprimir qualidades técnicas e de roteiro – mas o filme é de fato engraçado. Adaptação do monólogo homônimo de muito sucesso, o ator se inspirou, segundo ele, em sua própria mãe para criar a figura Dona Hermínia, uma dona de casa escandalosa, separada do marido e que continua criando seus dois filhos mais novos, a obesa Marcelina (Mariana Xavier) e o homossexual afetado Juliano (Rodrigo Pandolfo). Já é possível imaginar os episódios cômicos oriundos da relação entre esses personagens...

Com elenco de peso como Herson Capri, Sueli Franco e também Ingrid Guimarães, o filme todo se apoia no protagonista, que chama para si a responsabilidade e com muito talento e sem deixar a peteca cair o leva nas costas. As falas e o jeitão ‘non-sense’ dessa mãe de Niterói são responsáveis pelos melhores momentos da fita, que incorpora elementos da comédia-pastelão sem necessariamente soar brega.

Como produzido pela Globo Filmes, obviamente que se esperaria o diálogo entre cinema e novela das nove, e de fato acontece. Alguns dramas paralelos são incluídos na história, porém não são estendidos para que não se perca o verdadeiro fio da meada. Essas inclusões são importantes por diversos motivos. Entre eles, para que o público perceba que Hermínia não é somente uma mulher louca e mãe superprotetora. Também para que nos identifiquemos com a realidade da vida, em que altos e baixos se mesclam durante todo o tempo. E ainda promover o equilíbrio do tom da narrativa, a fim de que ela não canse rapidamente o espectador.

Mesmo com recursos simples, “Minha mãe é uma peça” se configura como uma boa pedida para se divertir e ter bons momentos junto à família e aos amigos, em um final de tarde. Foram inteligentes em o confeccionarem com duração mediana, cerca de 80 minutos, pois dessa forma não ficamos enfadados com o timbre histérico da matriarca e possamos sair da sala ainda com um gostinho de quero-mais.

Ao final, ainda há uma linda homenagem de Paulo Gustavo à sua grande inspiração. Apesar da comicidade da situação, para quem tem mãe e a ama de verdade, é o momento mais emocionante do filme. Toda a sessão aplaudiu. Não havia como não.

Nota: 8,0.

Universidade Monstros (Nota)



A única decepção é referente ao aproveitamento aquém da tecnologia 3D, que se mostra muito mais interessante nos trailers e no pequeno curta do que na projeção do filme. De resto, é pura diversão, uma verdadeira delícia de se assistir.

De forma bem fiel, conseguiram colocar todos aqueles clichês dos filmes universitários norte-americanos com muito humor, dentro de uma animação esteticamente até simples, mas que se enquadra à proposta do longa.

Embora o público-alvo claramente seja os pequenos, a história é tão bem contada que prende a atenção dos adultos também. Uma sacada inteligente do roteiro foi não se valer de um antagonista clássico, visto que, quando se pensa que ele de fato existe, o pressuposto é desfeito. Recomendadíssimo!


Nota: 9,0.

Homem de Ferro 3 (Análise e Crítica)



Nas redes sociais e em sites sobre cinema e quadrinhos, não se falará sobre outra coisa neste final de semana: a estreia do terceiro capítulo da franquia Homem de Ferro. Entretanto, o teor dos comentários não é a qualidade da produção e nem do roteiro. Muito distante disso, o filme está sendo alvo de críticas ferrenhas, principalmente dos fãs das histórias em quadrinhos. Depois da catarse de “Os Vingadores” (2012), parece que a chamada Fase 2 da Marvel começou dividindo opiniões e quebrando a unanimidade até então adquirida.

Saindo Jon Fraveau dos postos de roteirista e diretor,  Shane Black os assumiu sem conseguir deixar um diferencial expressivo. Depois dos excessos de “Homem de Ferro 2” (2010), a Marvel decidiu investir em roteiros que evidenciassem o aspecto mais humano de seus heróis, o que ficou muito claro em “Capitão América – O Primeiro Vingador” (2011) e ainda mais em “Os Vingadores”. Nessas duas produções, souberam dosar a carga dramática e individual dos personagens com boas sequências de ação e lutas, além de manterem um ritmo linear na narrativa.

Seguindo essa perspectiva, “Homem de Ferro 3” está focado na figura de Tony Stark (Robert Downey Jr.) e não na de seu alter ego. No longa, que se situa pós os acontecimentos em Nova Iork, o empresário bilionário passa por um tremendo inferno astral, quando vê seu reino e sua vida pessoal virados de cabeça para baixo com a chegada de um novo inimigo, o terrorista Mandarim (Ben Kingsley), disposto a ir às últimas consequências para destruir o herói. Depois de ver feridos o seu guarda-costas e amigo Happy Hogan (Jon Fraveau) e também sua namorada Pepper Potts (Gwyneth Paltrow), Stark jura vingança e morte a seu novo rival.



Diferente de todos os outros filmes produzidos pelos estúdios da editora, o maior pecado deste é o seu roteiro, que é cheio de verdadeiras mancadas e furos grotescos: como Stark dá o seu endereço de casa e continua lá ainda com a Potts, por exemplo? Como a armadura do Patriota de Ferro/Rhodes (Don Cheadle) consegue ser reaproveitada depois de manipulada pela IMA? Por que Hogan, durante uma forte explosão, é o único sobrevivente, mesmo no raio em que outras pessoas que também estavam tenham sido totalmente pulverizadas da face da Terra? Para o chefe de um grupo de super-heróis, por que Tony se mostra tão amador e um 007 de quinta categoria? São situações totalmente desconexas com a realidade até agora trazida para as telas.

Embora seja centrado na figura do homem e não na do herói, existe muita informação que somente os poderes do vingador podem resolver. E o que acaba acontecendo? Outros personagens não se destacam – entrando, sumindo e retornando para a trama de forma desorganizada –  e os vilões, mais uma vez, acabam sendo mal desenvolvidos e suas intenções soam artificiais e supérfluas. Por exemplo, o personagem de Guy Pearce, o cientista Aldrich Killian, resolve se vingar de Stark por o empresário tê-lo feito esperar no telhado por horas, há alguns anos. Essa motivação é chula e não consegue convencer a maioria da audiência.

Baseado no arco de histórias sobre o vírus Extremis, tal peripécia se perde um pouco por conta da presença de Mandarim. Igualmente a “Homem-Aranha 3” (2007), o antagonismo é prejudicado pelo excesso. Para que haver duas problemáticas numa trama de tom mais intimista? Ora se perdia o foco de uma para dar espaço a outra, e vice-versa.



Todavia, nada deu tanto o que falar como o que se destinou ao Mandarim. Um dos mais clássicos inimigos do herói, o vilão foi ridicularizado pelo roteiro de Black, numa espécie de paródia de filmes do gênero. Há de se convir que a estratégia resultou em uma originalidade ao enredo e surpreendeu a todos, mas a questão que ficou no ar é: por que logo com o Mandarim? Por que se perdeu dessa forma a oportunidade de se criar o primeiro grande antagonista no cinema para o Homem de Ferro?

Por conta disso, muitos relatam a sensação de terem sido enganados. E não é para menos. Os trailers, vídeos e até as entrevistas anteriormente divulgadas parecem que venderam outro filme. Foram descontextualizadas algumas cenas e que, juntadas a outras, deram a impressão de um tom mais sombrio, perturbador, profundamente intimista e dentro de situações mais movimentadas. Quando não. Embora um pouco mais dosado que nos projetos antecessores, Stark continua com seu humor ácido e sarcasmo cruel, que funciona em muitas situações mas influencia negativamente também na carga emotiva de outras. Por exemplo: sendo Potts a mulher de sua vida, haveria motivo para fazer piada logo depois de sua provável morte? Isso sem contar que às vezes parecia forçado, como naquela dancinha para colocar a armadura.

Mesmo assim, existem pontos interessantes presentes neste episódio. O primeiro deles, logicamente, continua sendo o carisma de Downey Jr, que literalmente carrega o filme nas costas. É difícil imaginar o futuro do Homem de Ferro desassociado à sua figura, visto que para as próximas películas o ator já terá passado dos 50 anos. A facilidade com a qual incorpora o personagem e o deixa muito fiel aos quadrinhos vai muito além das semelhanças físicas, sendo “simplesmente” a personificação do Tony Stark. Menos exibicionista que nos outros filmes, o ator continua sabendo dar o tom perfeito à sua interpretação.



As sequências de ação, agora em menor número, também não decepcionam. Além do embate final, como não poderia ser diferente, a que mais se destaca é a do avião. É claro que nos remete à sequência de abertura de “O Cavaleiro das Trevas Ressurge”, só que em proporções menores e com outra finalidade. Uma vez que agora o herói luta por motivos pessoais, salvar pessoas quer dizer que ele ainda se preocupa com o coletivo e não passou a usar sua tecnologia e armadura somente para vingança. Ademais, ter feito a escolha de resgatar onze civis ao presidente dos Estados Unidos foge do clichê e lhe dá humanidade, visto que o mais importante é a quantidade de vidas e não a classe ou a função da pessoa na sociedade. Embora ignorada por alguns fãs que a consideram forçada, essa sequência é mais simbólica que fundamentalmente necessária.

Outro ponto importante – talvez o mais de todos – é o rumo que o desfecho do filme acarretará para a própria franquia assim como para todo o universo cinematográfico da Marvel, que está cada vez mais se distanciando das suas origens primárias. Agora Stark desfez do seu reator de energia do peito e a Potts tem poderes. Como isso será aproveitado é a grande questão, uma vez que todos esses projetos são interligados e formam um universo coeso.

Então, para muitos, a segunda fase da Marvel não chegou a começar com o pé esquerdo, porém há o sentimento de “pé direito amputado”. Ou seja, os erros foram tão sobressalentes que deixaram opacos os possíveis – e poucos – acertos e frustraram as grandes expectativas que o público mantinha. Diante de um filme de qualidade duvidável, resta-nos esperar pelos outros já confirmados desta fase: “Thor 2 – O Mundo Sombrio” (2013), “Capitão América 2” (2014), “Guardiões da Galáxia” (2014) e “Os Vingadores 2” (2015), onde os equívocos precisam ser urgentemente sanados.

Estaria a Marvel se aproveitando dessa febre de super-heróis, que a própria trouxe de volta, para se importar mais com as bilheterias que com a qualidade das produções? Que nós, fãs dos quadrinhos, sejamos ouvidos, pois infelizmente já começamos a nos preocupar com o que ainda vem pela frente...

Nota: 6,5. (Fora, Black!!! rsrsrsrs)

Dica: não canse os seus olhos com a versão em 3D. Nunca houve na história do Cinema uma conversão tão fajuta, mal-feita e caça-níquel como esta. Tudo bem que as conversões da Marvel nunca foram de fato boas, mas em “Homem de Ferro 3” não se trabalham profundidades da tela, texturas de imagem, sequer a interatividade com o espectador. Simplesmente nada! É só mais um ponto negativo e que vem a descredibilizar o estúdio.

Homem de Ferro 3: Tony Stark e o dilema do herói moderno





Qual o fã de quadrinhos não se lembra de uma cena, seja nas revistas ou em alguma adaptação para outra mídia, em que o seu herói predileto arrisca ou até perde a vida em prol do bem-estar coletivo? Ou então busca justiça em vez da simples vingança? Pois é, foi-se a época em que os heróis eram símbolos de perfeição e altruísmo. Passados ¾ de século desde a estreia de Batman e Superman nos quadrinhos, o que temos hoje são heróis cada vez menos super e mais propícios a falhas e fracassos. Numa tentativa de se adaptarem à nova realidade contemporânea, até eles tiveram de ser moldados.

No recém-lançado “Homem de Ferro 3”, a ênfase na figura de Tony Stark (Robert Downey Jr.) deixa evidente uma tendência que se propagou na nona arte – os quadrinhos – lá entre os anos 1980 e 1990: a humanização do herói.  Quem ficou na sala de projeção para acompanhar a cena pós-crédito teve a oportunidade de perceber que toda a narração do filme é, na verdade, uma conversa entre o empresário bilionário e Bruce Banner/Hulk (Mark Ruffalo) em um... consultório??? Sim, o Homem de Ferro está no divã e o Hulk é o seu analista. O herói mais poderoso e carismático do universo Marvel, além de responsável por ter salvado a Terra de sua dizimação, tem problemas existenciais, se sente fraco e precisa desabafar.

Embora o longa tenha lá os seus problemas – quem quiser pode ler a minha crítica na relação de textos publicados –, o desenvolvimento do personagem é o único ponto forte do roteiro e o que segura de fato o filme. São as atitudes errôneas de Stark – o seu lado humano – que vão fazê-lo se dar conta das coisas mais importantes que ele tem na vida. Logo no início da trama, o personagem se apresenta instável e aflito. Não consegue dormir e quando o faz ainda tem pesadelos. Sentimentos ruins começam a tomar conta dele, inclusive o medo de perder a quem mais estima, sua namorada Pepper Potts (Gwyneth Paltrow). Paradoxalmente, é justamente ele quem a coloca em perigo.



Quando seu guarda-costas e amigo Happy Hogan (Jon Fraveau) é gravemente ferido em um atentado com bomba, Stark jura vingança ao “terrorista responsável”, Mandarim (Ben Kingsley), e em rede nacional cede o endereço de sua residência, como se marcasse um confronto. Seu lado narcisista acaba se esquecendo do perigo, e sua residência então é alvejada por inúmeros atentados com armas e mísseis poderosos. Despreparado, vê o seu reinado ruir e a mulher que ele ama feita de refém. Toma conta dele o sentimento da vingança, algo muito comum no ser humano normal, principalmente em quem já desacredita no poder da justiça.

Focada na persona, a película mostra o herói/homem em uma batalha de cunho íntimo. Dado como morto, terá que recomeçar do zero a fim de reaver aquilo que lhe pertence. Mesmo sendo uma história fantasiosa e provavelmente inverossímil, é necessário que o espectador se identifique e de alguma forma crie laços com esse herói tão conturbado, que poderia ser o próprio espectador. Afinal, quem nunca teve de recomeçar sem expectativa de nada, se viu sozinho nessa jornada e se sentiu fracassado? Quem nunca teve de recuperar forças de onde não imagina para seguir em frente? O sofrimento, além de sensibilizar, nos faz criar identificações; e quando vimos um herói sofrer também nos sentimos heróis.

O fato de ele pouco usar a sua armadura – que melhor caracteriza o seu alter ego – ressalta justamente a sua força e superação. Como se fôssemos nós, de cara limpa, enfrentando as peripécias do nosso dia a dia. Para não chocar o público infantil – e não perder bilheteria por conta da classificação indicativa – os filmes do Homem de Ferro não retratam algo muito importante da biografia do personagem, que é o fato de ele ter sido alcoólatra e quase ter perdido tudo por causa do vício, como é demonstrado no excelente arco “O Demônio da Garrafa”, do final da década de 1970. Entretanto, neste terceiro episódio da franquia, existe uma cena em que ele diz isso, que quase chegou ao fundo do poço por causa da bebida e que nada mais o faria perder coisas importantes. Embora só mencionado, não deixa de ser um dado significativo, capaz de mostrar a fraqueza (o vício) e a superação (a reabilitação).


Dessa forma, o egocentrismo não é sinônimo de egoísmo. Todos nós precisamos no decorrer da vida de momentos em que devemos pôr a nós mesmos em ênfase e cuidar de nossas vidas. Na medida certa, esses momentos são essenciais para que nos restabeleçamos com a sociedade, afinal de contas só a pessoa satisfeita consigo mesma poderá se relacionar melhor com o outro. No contexto do longa, a cena do resgate de civis em atentado a uma aeronave mostra justamente isso. Numa trama de cunho pessoal, pretende-se dizer que o egocentrismo de Stark não necessariamente remete ao egoísmo. Ele ainda se preocupa com o próximo e é altruísta, uma atitude que somente somou a seus propósitos.

Seguindo a tendência de sucesso da última trilogia Batman, dirigida por Christopher Nolan, a Marvel deixou uma mensagem bem clara através de “Homem de Ferro 3”: que esta nova fase dos seus filmes vai se focar nos dilemas dos homens e mulheres que vestem os uniformes e as armaduras – suas emoções, medos, fraquezas, perdas, reconquistas, superações... E quem, a princípio, tem a ganhar com isso é o público, que será presenteado com a possibilidade de sair das salas de cinema não somente extasiado pelas lutas e aventura, mas também emocionado e podendo refletir sobre o mundo, a sociedade e – o mais importante – si próprio.

Basta querer, observar e estar disposto para isso. Anos atrás, quem poderia dizer que filmes de super-heróis seriam mais que puro entretenimento e fantasia? Apesar de todos os seus clichês e furos de roteiro, a essência desses filmes está evoluindo; e isso é um convite para que seus espectadores façam o mesmo.

Homem de Ferro 3: o carro-chefe para a segunda fase da Marvel nos cinemas. O que esperar?


Tudo se iniciou em 02 de maio de 2008, quando chegou aos cinemas aquele que seria o ponto de partida para um dos projetos cinematográficos mais ambiciosos de todos os tempos: estrelado por Robert Downey Jr., o Marvel Studios lançava o seu primeiro filme, “Homem de Ferro”, centrado na história do alter ego do multibiolionário Tony Stark, um dos personagens mais antigos da editora de quadrinhos, embora não configurasse entre os mais populares. Com uma arrebatadora campanha de marketing, uma produção de alta qualidade e ainda de quebra o carisma de seu intérprete, o longa superou todas as expectativas e arrecadou mais de 550 milhões em bilheteria. A empreitada havia dado certo.


Ainda no mesmo ano, foi lançada a versão da Marvel de seu Gigante Esmeralda no bom “O Incrível Hulk”. Arrecadando também boas cifras, vieram em seu encalço “Homem de Ferro 2” (2010), “Thor” (2011) e “Capitão América – O Primeiro Vingador” (2011). Com seus [super]heróis devidamente apresentados e muito bem aceitos pelo público e crítica, eis que em abril de 2012 a grande catarse estreou em milhares de salas de cinema muito afora: “Os Vingadores”, uma megaprodução nunca antes vista para filmes do gênero e que, acima de tudo, veio para consolidar a força de mercado dos estúdios da Marvel. A reunião de todos esses caracteres se transformou na terceira maior bilheteria de todos os tempos e encerrou a chamada Fase 1, cujos filmes tinham o objetivo maior de apresentar as origens desses heróis e posteriormente juntá-los.

E é novamente com o irreverente empresário Tony Stark que a Marvel decidiu dar partida ao início da segunda fase, referida como a “estrada para os próximos vingadores”. A escolha não poderia ser outra, já que, entre todos os personagens do universo explorado nas telonas, ele é o favorito da audiência por seu paradoxal estilo de vida e senso de justiça, além do sarcasmo inteligente e direto. Trata-se de “Homem de Ferro 3”, cuja direção agora fica a cargo de Shane Black, responsável pelos roteiros da franquia de sucesso “Máquina Mortífera”.

Mas o que esta fase pode trazer de diferente daquilo que já não tenha sido explorado antes? Bem, através dos trailers, teasers e comerciais de tv, fica evidente que o que temos agora é uma grande mudança no tom da narrativa. Enquanto os dois primeiros filmes da franquia prezavam por situações que davam um suporte humorado à produção, este parece ser mais sombrio e se focar mais no homem Tony Stark do que no herói Homem de Ferro. Pelos trailers, principalmente, algumas imagens e a trilha sonora obscura de Brian Tyler levam a crer que o Vingador Dourado passará por provações e desafios antes nunca imaginados, a ponto de perder todo seu reino e, o mais grave, a pessoa que mais ama no mundo, Peppers Potts (Gwyneth Paltrow). Fracassado e sozinho, terá de encontrar em si mesmo forças para se reerguer e enfrentar um temido vilão.

A sinopse já divulgada, na verdade, desnorteia mais que esclarece. O que sabemos de fato é que a trama é baseada no arco de quadrinhos chamado Extremis, responsável pelo mais recente reboot do herói e que o deixou mais interessante e atual ao nosso tempo. Com roteiro de Warren Ellis e arte magistral de Adi Granov, a narrativa gira em torno do vírus tecnológico que lhe dá nome, que ao mesmo tempo é uma ameaça para Stark e sua salvação, configurando-se assim um complexo paradoxo para o cientista. Entretanto, não foi nenhuma surpresa para os fãs da nona arte o fato de o terceiro capítulo ser baseado nesse arco, uma vez que diversos elementos já haviam sido referidos nas películas anteriores. Principalmente na primeira, onde diálogos e situações foram adaptados para as telas. Na segunda, uma tomada que mostra várias armaduras também é uma cena adaptada dos quadrinhos. E, finalmente, em “Os Vingadores”, quando Stark usa de um bracelete para acionar peças de sua armadura.

Aliás, como todos esses filmes são intercalados, a tecnologia usada por Tony em “Homem de Ferro 3” nada mais é que um aprimoramento que o mesmo vinha fazendo nos episódios da primeira fase. Em um dos trailers, mostra-se que o Cavaleiro de Ferro desenvolve um sistema capaz de chamar até ele sua própria armadura, fato que leva a crer que tenha sido uma ferramenta configurada entre os eventos finais de “Os Vingadores” e o inferno astral a ser vivido por Stark, no universo cinematográfico da Marvel.

Entretanto, é a figura do vilão que causa maior frisson entre os fãs. Segundo recente entrevista de Kevin Feige, presidente do Marvel Studios, o público não gostaria de ver pela terceira vez uma luta de armaduras entre o mocinho e o vilão. E, por isso, foi escolhido um dos mais enigmáticos e simbólicos antagonistas de sua galeria, o Mandarim. Originário nas histórias ainda dos anos 60, encontrou na magia a maneira de reaver tudo que lhe foi tomado pelo sistema comunista chinês e assim viu sua crescente ascensão. É quem estrela o primeiro longa-metragem animado do herói, “O Invencível Homem de Ferro”. Porém, diferente dessas duas mídias, no cinema Stark pertence a um panteão supertecnológico e tudo leva a crer que a adaptação de Mandarim seguirá esse mesmo paradigma. Apesar da estreia iminente, ainda tudo é muito incerto; mas pelos trailers se pode observar que o algoz, para atacar Stark, usa de aparatos tecnológicos e não artifícios místicos.

Outro mistério é como a trama de Extremis estará ligada a Mandarim. Mas a escolha de Ben Kingsley para o papel dá a dimensão da importância e peso que a Marvel deseja aferir a seus vilões. Ator brilhante e de currículo extenso e eclético, Kingsley talvez represente o conserto do maior ponto fraco deste projeto em sua totalidade: a caracterização de seus antagonistas. Excluindo o Loki de Tom Hiddleston – em “Thor” e “Os Vingadores” – e o Abominável de Tim Roth – em “O Incrível Hulk” –, todos esses personagens foram apresentados de forma superficial e/ou caricata.

Em “Homem de Ferro 2”, Chicote Negro (Michey Roucke) interpreta o mais fraco de todos eles, que de tão inexpressivo e superficial nem pode receber a alcunha de “vilão”; era somente um inimigo, nada mais que isso. Tanto que meses depois do lançamento do filme, o ator veio a público dizer que a Jon Favreau – diretor do longa – “faltaram colhões” para não se submeter às ordens do estúdio e de fato fazer um bom filme. Já na fita de Capitão América, a caricatura e a péssima maquiagem de Hugo Weaving fizeram de seu Caveira Vermelha uma piada de mau gosto: faltou tanto carisma e densidade ao personagem, que o mesmo se esvaziou na história e o confronto final soou patético, mesmo neste que considero o melhor filme solo de um personagem da Marvel.


E, finalmente, o que dizer dos Chitauri, raça alienígena aliada de Loki em “Os Vingadores”? Eles abriram o filme com uma sequência que prometia uma grande parceria, entretanto no decorrer das ações foram esquecidos pelo roteiro, sumiram e entraram na última meia hora para simplesmente serem aniquilados. Nossa, que grande função tiveram! É possível que esses aproveitamentos deficientes sejam resultado do foco que os roteiros tinham nos protagonistas, para que o público tivesse uma dimensão ampla de suas personalidades, ideologias e origens. Com isso houve desperdícios em trama e atores talentosos, e por essa causa Kingsley pode ser a grande chance de se repararem tais equívocos.

Com todos acertos e eventuais erros, “Homem de Ferro 3” previsivelmente já é considerado um grande sucesso mundial de bilheteria, haja vista sua campanha milionária em todas as mídias imagináveis, sendo verificado inclusive um grande aumento da venda de produtos e licenciados (de novas tiragens de DVD’s e Blu-ray’s dos filmes anteriores a bonecos raros). Logicamente, as sequências de combates e os efeitos especiais já reservam a pipoca. Mesmo assim, representa um enorme desafio para a Marvel – que não será o de testar a sua credibilidade e poder de qualidade, mas sim se o tom da narrativa vai ou não satisfazer os espectadores em geral. Assim como aconteceu com a trilogia de Batman dirigida por Nolan, parece que mais do que nunca se pretende provar que filmes de super-heróis não são historinhas para crianças ou para um público alienado, e que os conceitos trabalhados na cultura nerd são muito mais profundos do que se imagina.

Ainda na esteira de “Homem de Ferro 3”, complementarão a Fase 2 os já anunciados “Thor 2 – Mundo Sombrio” (com estreia prevista para 08.11.2013), “Capitan American – The Winter Solder” (ainda sem título oficial em português, com estreia prevista para 11.04.2014) e “Os Vingadores 2” (com estreia prevista para 01.05.2015). Segundo seus diretores, essas produções também focarão em aspectos mais sombrios e intimistas de seus personagens. E ainda haverá “Os Guardiões da Galáxia” (com estreia prevista para 08.08.2014), o primeiro longa a contemplar o nicho cósmico da editora, cuja trama ainda é enigmática, não se sabendo se Thanos de fato será o grande vilão [por conta da cena pós-crédito em “Os Vingadores”].

A estreia de “Homem de Ferro 3” nos cinemas brasileiros acontecerá na próxima sexta-feira, dia 26.04.2013, com sessões de pré-estreias em salas selecionadas. Nos demais mercados, incluindo o americano, as estreias passarão a ser uma semana depois, em 01.05.2013.

E, então, o que você espera desta fase? Pelo menos, a diversão já está mais que garantida!

Bom filme!