A premissa talvez tenda soar um tanto fantasiosa: em um
futuro bem próximo, a partir de uma fenda entre duas placas tectônicas no
coração do Oceano Pacífico (lugar geograficamente alcunhado Círculo de Fogo),
criaturas colossais, que pretendiam colonizar a Terra desde a Era Jurássica,
emergem do fundo do mar e devastam os quatro cantos do planeta. Você talvez já
tenha visto recentemente algo semelhante em produções como a trilogia
“Transformers” e no fracasso comercial “Battleship – A Batalha dos Sete Mares”.
O diferencial é que nenhuma delas teve como regente Guillermo del Toro, que
conseguiu trazer humanidade e sentido a um blackbuster que, igualmente aos
outros, estaria fadado ao vazio e à supremacia dos efeitos especiais.
Sem demagogia, o longa é introduzido por uma narrativa que
situa o espectador aos acontecimentos e logo somos apresentados a uma briga das
boas entre um kaiju (os monstros) e um jaeger (a ofensiva robótica). A partir
dessa cena, vivencia-se o drama do piloto de robôs Raleigh Becket (Charlie
Hunnam), que perde seu irmão no ataque de um poderoso kaiju. Depois de cinco
anos remoendo a dor e a culpa dessa ausência, ele é novamente recrutado pelo
comandante Stacker (Idris Elba) para um plano audacioso, quando este é
informado de que o programa será oficialmente fechado pelo governo por não ser
considerado mais eficiente na proteção do mundo: entrar na fenda e destruir a
passagem que liga os dois mundos. É a chance de o soldado se redimir consigo e
ainda vingar a morte do seu irmão.
Diversos personagens entram na trama – a maioria
caricaturesca mas que acrescenta sequer humor –, sendo a mais interessante a
chinesa Mako Mori (Rinko Kikuchi). A atriz é a melhor em cena e dá a seu papel
o tom certo, em uma atuação versátil que vai desde momentos de leve humor a
situações de extrema comoção, quando as lágrimas parecem escorrer facilmente.
Aliás, o roteiro, também de Del Toro, acerta ao explorar a relação entre os
dois protagonistas, que vai muito além de uma atração e de uma compatibilidade
física para comandarem o jaeger. Por ambos terem perdido tudo por causa dos
monstros, um entende o sentimento do outro e se conectam ainda mais já que
passam a dividir lembranças ao pilotarem o robô.
Outro aspecto importante é a utilização dos efeitos
especiais. Embora a audiência possa claramente pelo contexto perceber que não
são eles o foco da película, não há como negar o espetáculo visual que promovem.
Realçada pela dúbia utilização da tecnologia 3D (que às vezes prejudica cenas
que se passam na escuridão), a virtualidade talvez nunca tenha sido retratada
de forma tão real: os monstros, os robôs, a destruição, tudo salta aos olhos
com uma perfeição e sincronismo poucas vezes vistos. As tomadas de câmera mais
fechadas nas cenas de ação nos proporcionam observar detalhes como a
caracterização dos animais e todo o poderoso maquinário das sentinelas. E mesmo
as mais abertas não deixam escapar os minimalismos apocalípticos dignos de um
diretor tão aclamado por obras visualmente impactantes, como “Hellboy” e “O
Labirinto do Fauno”.
As referências às séries nipônicas também são muito fortes.
A começar pelo desenrolar da história, que se passa no continente asiático,
passando pelas montagens das cenas. Quem foi criança nos anos 1980 e curtia
durante a tarde as aventuras de Jaspion na extinta Rede Manchete se lembra
daquelas lutas dentro da água ou no meio de Tóquio, cujas edificações e ruas
ficavam totalmente arrasadas depois de um combate. E Del Toro não faz questão
de escondê-las e nem de economizar nos enfrentamentos, já que o próprio diretor
assume que o filme surgiu da ideia de homenagear esse tão importante legado que
as novas gerações pouco conhecem.
Porém, o filme ainda sofre com alguns equívocos. As
criaturas são mencionadas como colonizadoras de mundo (quais?), entretanto não
se explica como elas conseguem viajar entre eles (pelo espaço?). Pesam mais de
2 mil toneladas mas não afundam o chão e ainda são nocauteadas por um navio-cargueiro,
uma vez utilizado como arma. Se os jaegers levam consigo uma poderosa espada,
por que não a utilizam antes de destruírem tudo ao redor? Lapsos de roteiro...
Ademais, há muitas situações-clichê, previsibilidade, o texto é pobre e pouco
metafórico (o que foi aquele discurso do comandante?), algumas interpretações
são ruins ou exageradas e a trilha sonora mais parece um plágio de outras do
gênero – os mais atentos podem a todo o momento reconhecer elementos de
composições de outros filmes.
Misturando ingredientes de
"Godzila" a "Transformers", o filme não deixa de ser uma
"hollywoodizada" interessante e atual de um elemento da cultura
japonesa que se consagrou em todo o mundo, que vale a pena ser conferido. Por
motivos óbvios, está longe de ser no geral o trabalho mais completo de Del
Toro, porém duas conclusões ficam evidentes: a de que o diretor estreou com o
pé direito no filão das grandes empreitadas cinematográficas e a de que sem ele
possivelmente teríamos um resultado aquém e sem profundidade humana, à moda de
Michael Bay.
Nota: 6,5.
Nota: 6,5.
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