domingo, 18 de agosto de 2013

Percy Jackson e o Mar de Monstros


Geralmente adaptada para obras nem sempre de fácil acesso a crianças e adolescentes, a mitologia grega encontrou na saga Percy Jackson & Os Olimpianos, escrita por Rick Riordan, o lugar perfeito para atrair justamente esse público e começar a familiarizá-lo a personagens tão importantes da literatura ocidental, como Ulisses e Aquiles. Adicionando ingredientes – que, verdade seja dita, em muitas vezes aludem aos da série Harry Potter, fenômeno literário anterior –, a jornada do garoto semideus filho de Poseidon rapidamente caiu nas graças do público e se tornou um grande sucesso editorial. Daí para o cinema foi um pulo.


Três anos após uma estreia que não agradou a todos, mas que rendeu bilheteria mundial suficiente para uma continuação, chega a adaptação do segundo livro da série aos cinemas, intitulado “Percy Jackson e O Mar de Monstros”.  Na história, o protagonista meio-sangue (Logan Lerman) e seus inseparáveis amigos Annabeth Chase (Alexandra Daddario) e Grover Underwood (Brandon T. Jackson) se unem novamente a fim de salvarem de um envenenamento a árvore de Thalia, a guardiã encantada que por sua vez protege de todos os perigos o Acampamento Meio-Sangue, e conseguirem para tanto o Velocino de Ouro. Ao trio juntam-se a guerreira Clarisse La Rue (Leven Rambin) e o ciclope Tyson (Douglas Smith) – que passam a lutar contra a tirania de Luke Castellan (Jack Abel), cujo intento é também conseguir o Velocino, só que para um fim apocalíptico: ressuscitar o grande titã Cronos.

O diretor escolhido desta foi Thor Freudenthal, que regeu filmes conhecidos da galerinha, como “Diário de um Banana” (2010). Aqui ele não decepciona, mas não oferece nada muito além do que já havia sido transmitido anteriormente: uma história de fácil compreensão, com resoluções banais e um tom ainda meio bobo. Tudo bem que a série literária em si não se propõe a questionar ou debater conceitos filosóficos e parecer mais adulta. Entretanto, para o cinema, que teoricamente abrange uma audiência maior, ele poderia ter usado da fotografia e da trilha sonora para expressar, em algumas tomadas, uma atmosfera um pouco mais sinistra. Afinal, quem não gosta – criança ou não – de alguns momentos de tensão? Seus enquadramentos de câmera pouco contribuem para se poderem visualizar emoções nos personagens, que foram preguiçosamente explorados e seus vínculos não soam tão naturais.


Para os fãs, uma boa notícia: respeitou-se mais a fonte desta vez e a adaptação se fez mais fiel. É verdade que muitos elementos foram deixados de lado enquanto outros inseridos (como o confronto com Cronos), porém grande parte deles estava presente. Mesmo assim, o roteiro de Scott Alexander e Larry Karaszewski talvez desagrade a alguns leitores mais exigentes. Por conta de um orçamento mais reduzido, o clímax da trama foi alterado e cenas importantes contra o ciclope Polifemo ou Luke foram extraídas. Praticamente a segunda metade foi abandonada ou sofreu profundas alterações, isso porque demandaria grandes gastos com efeitos especiais, que inclusive não foram tão trabalhados. Além disso, o comportamento da braba Clarisse foi se resfriando durante a projeção – talvez a fim de se inserir uma lição de moral – e o relacionamento entre Percy e seu meio-irmão Tyson nem de longe teve a amplitude relatada no romance, o que criou uma certa superficialidade e o personagem mais se destinou a ser um gancho.

Quanto aos atores, a maioria está melhor que no primeiro filme. Embora neste não temos a presença de grandes astros hollywoodianos, Lerman consegue levar bem o seu papel e se parece mais à vontade, afinal ele já mostrou que é talentoso ao viver um personagem difícil em “As Vantagens de Ser Invisível” (2012). Embora Grover não ganhe tanto destaque no filme como tem no livro, é o responsável pelas tiradas de humor e situações engraçadas, uma espécie de alívio cômico – é uma pena que o personagem só se resuma a isso. O pior em cena continua sendo Jack Abel. Não que ele seja ruim, mas se percebe uma por parte do roteiro uma responsabilidade por criar um antagonista raso, inexpressivo, caricato e que para pior não consegue se desenvolver sob a tutela do diretor.


Em suma, houve avanços e o filme está mais aprazível de se ver que o primeiro. Todavia, ainda não foi desta vez que o olimpiano mais famoso dos últimos tempos conseguiu êxito em uma adaptação cinematográfica à sua altura, diferente do que ocorreu nas ótimas adaptações dos também dois primeiros volumes para os quadrinhos – lançados no Brasil pela editora Intríseca.

“Percy Jackson e o Mar de Monstros” será lançado paulatinamente em todo o mundo, e parece estar agradando mais aos seguidores da pentalogia literária e amargando uma bilheteria fraca. Quanto aos fãs convictos, só podemos esperar que isso não iniba o estúdio de adaptar toda a série às telonas, mesmo que os avanços aconteçam aos poucos, de filme a filme. Certamente, existe ainda muita história a ser contada.

Nota: 7,0.

sábado, 10 de agosto de 2013

Círculo de Fogo (Análise e Crítica)



A premissa talvez tenda soar um tanto fantasiosa: em um futuro bem próximo, a partir de uma fenda entre duas placas tectônicas no coração do Oceano Pacífico (lugar geograficamente alcunhado Círculo de Fogo), criaturas colossais, que pretendiam colonizar a Terra desde a Era Jurássica, emergem do fundo do mar e devastam os quatro cantos do planeta. Você talvez já tenha visto recentemente algo semelhante em produções como a trilogia “Transformers” e no fracasso comercial “Battleship – A Batalha dos Sete Mares”. O diferencial é que nenhuma delas teve como regente Guillermo del Toro, que conseguiu trazer humanidade e sentido a um blackbuster que, igualmente aos outros, estaria fadado ao vazio e à supremacia dos efeitos especiais.

Sem demagogia, o longa é introduzido por uma narrativa que situa o espectador aos acontecimentos e logo somos apresentados a uma briga das boas entre um kaiju (os monstros) e um jaeger (a ofensiva robótica). A partir dessa cena, vivencia-se o drama do piloto de robôs Raleigh Becket (Charlie Hunnam), que perde seu irmão no ataque de um poderoso kaiju. Depois de cinco anos remoendo a dor e a culpa dessa ausência, ele é novamente recrutado pelo comandante Stacker (Idris Elba) para um plano audacioso, quando este é informado de que o programa será oficialmente fechado pelo governo por não ser considerado mais eficiente na proteção do mundo: entrar na fenda e destruir a passagem que liga os dois mundos. É a chance de o soldado se redimir consigo e ainda vingar a morte do seu irmão.


Diversos personagens entram na trama – a maioria caricaturesca mas que acrescenta sequer humor –, sendo a mais interessante a chinesa Mako Mori (Rinko Kikuchi). A atriz é a melhor em cena e dá a seu papel o tom certo, em uma atuação versátil que vai desde momentos de leve humor a situações de extrema comoção, quando as lágrimas parecem escorrer facilmente. Aliás, o roteiro, também de Del Toro, acerta ao explorar a relação entre os dois protagonistas, que vai muito além de uma atração e de uma compatibilidade física para comandarem o jaeger. Por ambos terem perdido tudo por causa dos monstros, um entende o sentimento do outro e se conectam ainda mais já que passam a dividir lembranças ao pilotarem o robô.

Outro aspecto importante é a utilização dos efeitos especiais. Embora a audiência possa claramente pelo contexto perceber que não são eles o foco da película, não há como negar o espetáculo visual que promovem. Realçada pela dúbia utilização da tecnologia 3D (que às vezes prejudica cenas que se passam na escuridão), a virtualidade talvez nunca tenha sido retratada de forma tão real: os monstros, os robôs, a destruição, tudo salta aos olhos com uma perfeição e sincronismo poucas vezes vistos. As tomadas de câmera mais fechadas nas cenas de ação nos proporcionam observar detalhes como a caracterização dos animais e todo o poderoso maquinário das sentinelas. E mesmo as mais abertas não deixam escapar os minimalismos apocalípticos dignos de um diretor tão aclamado por obras visualmente impactantes, como “Hellboy” e “O Labirinto do Fauno”.


As referências às séries nipônicas também são muito fortes. A começar pelo desenrolar da história, que se passa no continente asiático, passando pelas montagens das cenas. Quem foi criança nos anos 1980 e curtia durante a tarde as aventuras de Jaspion na extinta Rede Manchete se lembra daquelas lutas dentro da água ou no meio de Tóquio, cujas edificações e ruas ficavam totalmente arrasadas depois de um combate. E Del Toro não faz questão de escondê-las e nem de economizar nos enfrentamentos, já que o próprio diretor assume que o filme surgiu da ideia de homenagear esse tão importante legado que as novas gerações pouco conhecem.

Porém, o filme ainda sofre com alguns equívocos. As criaturas são mencionadas como colonizadoras de mundo (quais?), entretanto não se explica como elas conseguem viajar entre eles (pelo espaço?). Pesam mais de 2 mil toneladas mas não afundam o chão e ainda são nocauteadas por um navio-cargueiro, uma vez utilizado como arma. Se os jaegers levam consigo uma poderosa espada, por que não a utilizam antes de destruírem tudo ao redor? Lapsos de roteiro... Ademais, há muitas situações-clichê, previsibilidade, o texto é pobre e pouco metafórico (o que foi aquele discurso do comandante?), algumas interpretações são ruins ou exageradas e a trilha sonora mais parece um plágio de outras do gênero – os mais atentos podem a todo o momento reconhecer elementos de composições de outros filmes.


Misturando ingredientes de "Godzila" a "Transformers", o filme não deixa de ser uma "hollywoodizada" interessante e atual de um elemento da cultura japonesa que se consagrou em todo o mundo, que vale a pena ser conferido. Por motivos óbvios, está longe de ser no geral o trabalho mais completo de Del Toro, porém duas conclusões ficam evidentes: a de que o diretor estreou com o pé direito no filão das grandes empreitadas cinematográficas e a de que sem ele possivelmente teríamos um resultado aquém e sem profundidade humana, à moda de Michael Bay.

Nota: 6,5.